1. Objetivos das corporações
O foco preliminar da governança tem sido a análise dos objetivos das companhias, tendo em vista suas interfaces com as demandas e os direitos de grupos que são definidos genericamente como stakeholders.
Os stakeholders podem ser classificados em quadro grupos:
a) os shareholders, denominação genérica de proprietários e investidores;
b) os internos, efetivamente envolvidos com o monitoramento e a geração de resultados nas companhias;
c) os externos, integrados à cadeia de negócios; e
d) o entorno, que engloba categorias não participantes diretamente das cadeias de geração de valor, mas também alcançados pelos objetivos corporativos e pelos critérios com que são tomadas as decisões para maximizá-los.
O quadro 1 a seguir fornece uma listagem dos principais stakeholders com que as empresas interagem:
SHAREHOLDERS: Proprietários, investidores. | Quanto ao regime legal: acionistas e cotistas. Quanto à participação: majoritária e minoritária. Quanto à gestão: participantes ativos e outorgantes. Quanto ao controle: integrantes do bloco de controle e grupos fora do bloco de controle. |
INTERNOS: Envolvidos com o monitoramento e a geração de resultados. | Órgãos de governança: conselho fiscal, conselho de administração, auditores independentes, direção executiva e auditores internos. Empregados |
EXTERNOS: Integrados à cadeia de negócios. | Credores Partes interessadas: fornecedores diretos, integrantes distantes da cadeia de suprimentos, clientes e consumidores. |
ENTORNO | Restrito: comunidades locais em que a empresa atua. Abrangente: a sociedade como um todo. Governos Organizações não Governamentais |
Quadro 1: Listagem dos principais stakeholders, internos e externos, com as empresas que interagem.
2. Os interesses dos stakeholders
Cada um desses subgrupos de stakeholders mantém relações e tem interesses legítimos em jogo nas companhias. O quadro 2 traz uma síntese indicativa desses interesses.
STAKEHOLDERS | INTERESSES |
SHAREHOLDERS |
Proprietários, investidores: dividendos ao longo do tempo, ganhos de capital (maximização do valor da empresa) e máximo retorno total. |
INTERNOS: Envolvidos com o monitoramento e a geração de resultados. |
Conselho de administração e direção executiva: base fixa de remuneração, bonificações de balanço e stock options. Outros órgãos de governança: retribuições em bases fixas ou variáveis. Empregados: salários, participação nos lucros, benefícios assistenciais materiais, segurança, reconhecimento, oportunidades e desenvolvimento pessoal. |
EXTERNOS: Integrados à cadeia de negócios. |
Credores: resultados positivos, capacidade de liquidação de dívidas contraídas. Fornecedores: regularidade, desenvolvimento conjunto. Clientes e consumidores: preços justos, produtos seguros, conformes e confiáveis. |
ENTORNO |
Comunidades locais: geração de empregos e contribuições para o desenvolvimento. Sociedade como um todo: bem-estar social, balanço social efetivamente contributivo para inclusão socioeconômica. Governos: conformidade legal, crescimento, geração de empregos. Organizações não Governamentais: adesão às suas principais causas. |
Quadro 2: Interesses legítimos dos diferentes grupos de stakeholders.
A legitimidade dos interesses dos shareholders (proprietários e investidores) tem por fundamento maior o valor, para a sociedade como um todo, do espírito de empreendimento, dos riscos de montar negócios inovadores, da disposição em criar produtos substitutos daqueles que, há muito tempo, têm sido bem aceitos pelos consumidores e da ousadia de enfrentar competidores estabelecidos em estruturas oligopolistas de mercado. O máximo retorno total dos shareholders é um estímulo para novos empreendimentos, ao mesmo tempo em que a busca bem-sucedida pela maximização do retorno é condição essencial para a continuidade das empresas em operação.
Um dos fundamentos mais sólidos da legitimidade dos interesses dos demais stakeholders é de natureza moral: trata-se de grupos não simplesmente sujeitos a servir de instrumentos para objetivos de terceiros – cada um deles tem seus próprios objetivos, almejam seus próprios fins e objetivam também a maximização de seus retornos. Deste ponto de vista, o lucro não é a única categoria de retorno maximizável. Os salários e outros benefícios materiais e imateriais aos empregados também são formas de retorno de outra categoria de riqueza indispensável às companhias: o capital humano.
Outro aspecto essencial de legitimação dos interesses dos demais stakeholders é que todos eles, embora em graus distintos e de difícil hierarquização, atuam como forças sinérgicas, em princípio comprometidas com a sobrevivência, com o crescimento e com a continuidade das companhias.
Por último, mas não menos importantes, há dois outros aspectos que legitimam interesses externos às empresas. Um é a missão civilizadora das corporações: boa parte da convivência social civilizadora é função de suas diretrizes estratégicas e de suas políticas. Outro é o reconhecimento de que o entorno das corporações movimenta-se, preponderantemente, como suporte de seu desenvolvimento sustentável.
3. O que é governança corporativa
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC assim define: “Governança corporativa é o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo os relacionamentos entre acionistas/cotistas, conselho de administração, diretoria, auditoria independente e conselho fiscal. As boas práticas de governança corporativa têm a finalidade de aumentar o valor da sociedade, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para sua perenidade”.
Dessa forma, a governança corporativa pode ser entendida com:
a) guardiã de direitos das partes com interesses em jogo;
b) sistema de relações pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas;
c) estrutura de poder que se observa no interior das corporações; e
d) sistema normativo que rege as relações internas e externas das empresas.
4. Os valores da governança corporativa
A prática dos conceitos de Governança Corporativa precisa revestir-se objetivamente de quatro pilares (valores):
a) Accountability: responsabilidade pela prestação de contas fundamentada nas melhores práticas contábeis e de auditoria;
b) Compliance: conformidade no cumprimento de normas reguladoras, expressas nos estatutos sociais, nos regimes internos e nas instituições legais do país.
c) Disclosure: usualmente chamada de transparência, com dados acurados, registros contábeis fora de dúvida (princípio da evidenciação) e relatórios entregues nos prazos combinados;
d) Fairness: traduzida por senso de justiça e de equidade para com os acionistas minoritários contra transgressões de majoritários e gestores.
4.1. Accountability
Quanto ao princípio da prestação de contas, estabelece o Código Brasileiro das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC: “Os agentes da governança corporativa devem prestar contas de sua atuação a quem os elegeu e respondem por todos os atos que praticarem no exercício de seus mandatos”.
A esse respeito, deve ser destacado o conceito de accountability, que seria uma espécie de responsabilidade pelos atos dos administradores, uma prestação de contas aos acionistas. É recomendável que exista nas companhias mecanismos que possibilitem aos acionistas a “contestabilidade” e a fiscalização dos atos dos administradores. Accountability é um termo de origem inglesa que significa a obrigação de prestar contas dos resultados conseguidos em razão da posição que o indivíduo assume e do poder que detém. O executivo principal da companhia deve prestar contas ao conselho de administração, além de ser o responsável pela execução das diretrizes fixadas pelo conselho. Cada um dos diretores é pessoalmente responsável, também, pelas suas atribuições na gestão e deve prestar contas disso ao executivo principal e, sempre que solicitado, ao conselho de administração, aos sócios e aos demais envolvidos, na presença do executivo principal. Deve o executivo principal prestar todas as informações que sejam pertinentes, além das que são obrigatórias por lei ou regulamento, tão logo estejam disponíveis, e a todos os interessados, prevalecendo a substância sobre a forma. A diretoria deve buscar a clareza e a objetividade das informações, mediante linguagem acessível ao público-alvo. As informações devem ser equilibradas e de qualidade, abordando tanto os aspectos positivos quanto os negativos, para facilitar ao leitor a correta compreensão e avaliação da sociedade. Qualquer informação que influenciar decisões de investimento deve ser divulgada imediata e simultaneamente a todos os interessados.
4.2. Compliance
Nos dias de hoje, em meio à crise financeira que abalou os mercados mundiais, aumenta cada vez mais a necessidade de conhecer melhor os serviços e produtos que você e sua empresa adquirem, se estes possuem elevados padrões de qualidade bem como o grau de riscos que podem lhe oferecer e como fazer para minimizá-los. Preocupação com a qualidade é ordem do dia! E é para isto que existe a área de Compliance nas empresas.
Quando uma empresa está em Compliance, significa que ela está em conformidade, ou seja, cumprindo as leis e regulamentos internos e externos. Para que isso ocorra, todos os colaboradores dentro da Instituição devem se envolver, sempre executando suas tarefas dentro dos mais altos padrões de qualidade e ética. As atividades de Compliance inserem-se em um contexto de gestão preventiva de riscos, de monitoramento e supervisão contínua sobre as práticas corporativas e operações cotidianas, como forma de garantir que a instituição respeite as boas práticas de governança.
A missão da área de Compliance em uma Instituição está voltada a assegurar a existência de políticas e normas, pontos de controle nos processos para mitigar riscos, relatórios que visem melhorias nos controles internos e práticas saudáveis para a gestão de riscos operacionais. Tudo isso para garantir credibilidade frente a clientes, fornecedores, acionistas e colaboradores, de forma transparente, assegurar que a estrutura organizacional e os procedimentos internos estão em conformidade com os regulamentos externos e internos, além de permitir que a companhia mantenha suas finanças saudáveis, minimizando riscos de perdas.
No Brasil, as empresas participantes dos mercados de seguros, previdência privada aberta, capitalização e resseguro devem cumprir, além de leis federais, estaduais, municipais e decretos, os normativos de autoridades regulatórias como a SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, assim como o regulamento interno da empresa. Já os bancos seguem as normas do Banco Central do Brasil.
A existência da área de Compliance tem sentido para:
1. Salvaguardar a confidencialidade da informação confiada à instituição por seus clientes, fornecendo tratamento adequado de forma a evitar uso inapropriado e inadequada divulgação. Isto significa evitar a eventual proliferação de boatos e assegurar que a informação do cliente seja somente revelada a quem efetivamente dela necessite conhecer (este é o chamado princípio do “need to know basis”). Trata-se também de proteger as informações materiais sobre os negócios da instituição.
2. Manter a transparência e correição na condução dos negócios da instituição, contribuindo na manutenção dos mais altos padrões de qualidade e aumentando, portanto, a competitividade e lucratividade dos negócios. A segurança oferecida ao cliente e a criação de uma reputação e credibilidade no mercado acabam se tornando instrumentos de marketing da instituição que pode se valer desses indicadores para aumentar sua competitividade na indústria em que atua. Trata-se de um diferencial altamente estratégico.
3. Evitar o conflito de interesses entre as diferentes áreas da instituição, entre a instituição e seus clientes e finalmente entre a instituição, seus clientes, os clientes de seus clientes, e seus funcionários; assegurando adequada administração de eventuais conflitos entre todos esses. Trata-se da administração do conflito entre interesse pessoal e obrigação fiduciária.
4. Cumprir com o arcabouço regulatório local e internacional bem como com as instruções da matriz no que diz respeito à forma de condução dos negócios no país, forma de comportamento dos funcionários, forma de relacionamento com reguladores, imprensa, clientes, e tantas outras regras corporativas impostas na localidade.
5. Evitar problemas legais e demandas judiciais que podem ser altamente dispendiosos e danosos à reputação da instituição.
6. Evitar ganhos pessoais indevidos por meio da criação de condições artificiais de mercado ou da manipulação e uso de informação privilegiada a que o funcionário tenha tido acesso ou mesmo ouvido em função de sua posição e da qual tenha se utilizado em seu próprio beneficio de forma a auferir uma vantagem econômica ou evitar uma perda ou prejuízo.
4.3. Disclosure
O Código Brasileiro das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, ao dispor sobre a transparência, estabelece: Mais do que a obrigação de informar, a administração deve cultivar o “desejo de informar”, sabendo que da boa comunicação interna e externa, particularmente quando espontânea, franca e rápida, resulta um clima de confiança, tanto internamente, quanto nas relações da empresa com terceiros. A comunicação não deve restringir-se ao desempenho econômico-financeiro, mas deve contemplar também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação empresarial e que conduzem à criação de valor. A transparência visa possibilitar aos acionistas e aos investidores em geral melhor avaliação das oportunidades, preços e condições de negociação dos valores mobiliários emitidos pela companhia. Os investidores necessitam saber a real situação econômico-financeira das companhias, suas perspectivas de rentabilidade futura, seus projetos de expansão e modernização, os eventuais direitos que regulam as relações entre os principais acionistas e dirigentes das companhias, assim como os negócios que são relacionados com partes relacionadas. Toda informação que impacta os negócios da companhia, especialmente qualquer que possa influenciar decisões de investimento, deve ser divulgada imediata e simultaneamente a todos os interessados, de forma que possam avaliar, por si mesmos, todos os dados necessários para a verificação do efetivo preço dos valores mobiliários emitidos pela companhia. Ao adotar critérios mais rigorosos de transparência, a companhia afasta os insiders, protegendo os demais acionistas.
As demonstrações financeiras devem retratar a real situação econômico-financeira da companhia, para informação dos seus próprios órgãos, dos acionistas, dos credores e do público em geral. No caso da transparência, a administração executiva deve satisfazer as diferentes necessidades de informações dos acionistas, dos conselhos de administração e fiscal, da auditoria independente, das autoridades de mercado e das partes relacionadas (stakeholders). Ser transparente tornou-se uma das mais importantes práticas da boa governança corporativa. Enquanto os lucros podem ser avaliados pela linguagem fria dos números, a competitividade pode ser avaliada pela qualidade da governança. É por isso que, entre todos os predicados das boas práticas, um dos mais importantes é sem dúvida a elaboração de uma linguagem propriamente transparente. Em primeiro lugar, como uma maneira de nomear as estratégias e resultados da corporação, de falar deles sem artifícios ou meias palavras. A transparência transformou-se num valor. Governança corporativa e transparência são termos sinônimos, o que faz com que esta última esteja cada dia mais e mais arraigada na agenda dos acionistas, investidores, clientes, analistas, autoridades, comunidade e demais agentes de mercado e na agenda das empresas. A tendência é que a qualidade da transparência venha redefinir as relações das companhias com os investidores: há cerca de dez anos, a divulgação da informação se restringia à obrigação legal de publicar o balanço financeiro ao menor custo possível. Num momento seguinte, as companhias mostraram-se preocupadas em detalhar as atividades, porém voltadas ao próprio negócio. Atualmente, a mentalidade sobre o que e como divulgar vem se estruturando num tripé fundamental: o resultado econômico-financeiro, a ação ambiental e o papel social.
4.4. Fairness
A equidade transmite a segurança de que a companhia arbitra seus relacionamentos respeitando a igualdade de direitos. A respeito desse princípio, dispõe o Código Brasileiro das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC: Caracteriza-se pelo tratamento justo e igualitário de todos os grupos minoritários, sejam do capital ou das demais “partes interessadas” (stakeholders), como colaboradores, clientes, fornecedores ou credores. Atitudes ou políticas discriminatórias, sob qualquer pretexto, são totalmente inaceitáveis. É a equidade que deve pautar o relacionamento entre os agentes da governança corporativa e as diferentes classes de proprietários. Assim, os direitos dos stakeholders devem ser estabelecidos de maneira justa e equânime, de modo que sua apropriação ocorra rigorosamente de acordo com as regras contratadas, em ambiente de grande transparência. O princípio da equidade defende também o tratamento igualitário de todos os acionistas, uma vez que todos os sócios são proprietários da companhia, na proporção de sua participação acionária, não devendo existir ações sem direito a voto. Com isso, democratiza-se o capital da companhia e todos os acionistas passam a ter maior participação e representatividade. O direito a voto deve ser assegurado a todos os acionistas, independentemente da espécie ou da classe de suas ações. Essa vinculação entre poder de voto e participação no capital social é fundamental para o alinhamento de interesses de todos os acionistas, uma vez que o voto é o instrumento mais eficiente de fiscalização.